Ciência do Ser

Ter contato com o nosso universo interior pressu- põe um aprofundamento na nossa forma de pensar, na nossa forma de atuar, de sentir, de viver. Por isso, a Comunicação Transpessoal já nasceu equipada de fundamento “espiritual”, porque inves- tiga aquilo que tem sido relegado ao plano do invisível e, por isso mesmo, de difícil acesso para a ciência. No entanto, foi a partir do desenvolvimento da Psicologia Transpessoal que a Comunicação pode expandir seus critérios científicos para a mente humana.
Na Comunicação Transpessoal não nos preocupamos mais em qualificar ou identificar os processos que envolvem a comunicação entre um ser e outro, entre máquinas ou até mesmo entre seres humanos e máquinas, mas nos atemos exclusivamente na Comunicação que estabelecemos internamente. Essa comunicação silenciosa, mas incessante, que a nossa mente executa ininterruptamente com os muitos seres que habitam o interior do nosso plano mental.
É importante salientar que, ao contrário da Psicologia, a Comunicação Transpessoal não está interessada em associar as diferentes respostas do ser ao plano das patologias. Apenas identificamos que aquilo que o ser comunica a si mesmo são formas de contato, que ele é obrigado a desenvolver, e que tem origem na sua necessidade de ordenar o mundo elaborando respostas para as suas experiências ao longo dos anos. Essas respostas, ou seja, o corpo de atitudes, pensamentos e diálogos internos, vão formar finalmente um sistema coeso e coerente que chamamos de ego.
Portanto, ao se investigar a Comunicação Interna do Ser com ele mesmo, estamos na verdade investigando dois tipos de comunicação – a do ego e a do eu – e as diferenciações entre cada uma delas. Nesse sentido, um trabalho que inclui a consciência no próprio corpo da investigação, precisa levar em conta a consciência do investigador no processo. Por isso, usou-se como instrumental de trabalho e de pesquisa, alguns elementos emprestados da Física Quântica -basicamente o conceito de processo e energia – e também alguns sistemas elaborados pelos filósofos orientais – e que nos remeteram para aquilo que chamamos de experiência mística. E, finalmente, nos voltamos novamente para o Ocidente, fazendo a ponte necessária entre o pensamento oriental e o pensamento ocidental, através dos mais importantes pensadores do Ocidente – buscando compreender o ser.
Tendo sido compreendido no Ocidente como algo menor, algo que não dava conta da realidade objetiva estudada pela ciência e da realidade subjetiva estudada pela filosofia, a experiência mística ficou sempre relegada aos limites inapropriados da fé religiosa. No entanto, como o próprio nome diz, a experiência mística não supõe a fé, já que a fé, na verdade, nasce da incerteza, nasce da necessidade de atribuir ao outro, ou a alguma entidade, a salvação da alma e/ou a cura dos males. Enquanto que a experiência mística só existe como descoberta do ser em direção a si mesmo, ou seja, quando a fé se transforma   em   confiança   (pistis)   e  que  Jung com-

preende tão bem em seu comentário psicológico na Introdução do “Livro Tibetano da Grande Libertação”. Nesse sentido, esse movimento pode ser chamado de religioso, mas está para além das igrejas e dos dogmas. Devendo ser vivido e experimentado por todos aqueles que, em busca da verdade, procuram na ciência, na religião, na arte, e em si mesmos, respostas satisfatórias para a sua existência no mundo.
Por isso, qualquer investigação sobre o ser propõe uma reflexão fundamental sobre a existência e que pode ser expressa na pergunta – “Quem sou eu?”. A identificação de um ego social e um desdobramento desse ego em partes, pressupõe uma comunicação entre essas partes. Portanto, a comunicação que estabeleço com os múltiplos “seres” que habitam o espaço psíquico que ocupo parece fundamental para que haja uma compreensão mais aproximada desse ser que investiga a si mesmo através desta pergunta inicial.
Por isso, ao investigar o ser é necessário investigar a comunicação dos múltiplos seres que parecem habitar este alguém indivisível e único que chamamos de eu. Portanto, ao que parece, é na comunicação interna que podemos ter um vislumbre do nosso eu. É na exclusão, talvez, daquilo que não é o ego, que podemos chegar a esse ser que chamamos de eu. Uma forma de romper com esse diálogo interno que nos oblitera e nos reduz a meros atores, é a introdução da meditação em nossas vidas. É uma das formas que temos disponíveis para fazer com que nossa mente opere de modo diferente daquela que estamos acostumados.
Hoje inauguramos uma nova ciência, que tem alargado seus paradigmas para a investigação de processos invisíveis. Essa investigação, exatamente por ter ainda um caráter subjetivo, é reforçada por outras instâncias que até os dias de hoje permanecem alijadas de alguns grupos científicos mais tradicionais. Quando falamos em espiritualidade, lembramos que somos todos seres espirituais. Por isso as teorias que excluem a possibilidade de estudar o ser em sua plenitude estão fadadas ao desaparecimento. A ciência não pode mais relegar ao plano das igrejas o autoconhecimento. Na verdade, quando um cientista se entrega a uma investigação, o seu modo de olhar, suas experiências anteriores, sua visão de mundo, suas crenças podem interferir diretamente nos resultados da pesquisa. Por isso, a física quântica tem introduzido a consciência do investigador como um dos elementos do processo de investigação. E é por isso que esta nova ciência tem se alargado na construção mesmo de uma Ciência do Ser.
Além da Física Quântica, a Psicologia, a Comunicação e algumas outras ciências têm trabalho com a imaginação no campo das realidades. É necessário que a Ciência do Ser se amplie na direção de uma investigação que leve em conta processos até hoje desconhecidos. É importante entender que aquilo que não é natural não precisa ser necessariamente sobrenatural, e é por isso que ao se alargar os paradigmas desta nova ciência alargam-se também os campos de investigação, inclusive para processos até hoje inexplicáveis. Essa é uma empreitada que estamos inaugurando agora e que, certamente, estará no viés do desenvolvimento da humanidade por todo este novo milênio.
Eliane Ganem