Os Espiritualistas e as Religiões

Para os astrólogos, a partir da última década do século XX entramos na Era de Aquário e abandonamos a Era de Peixes. Esta última foi marcada pela filosofia cristã do sacrifício. A figura do deus morto na cruz influenciou o espírito de muita gente já que, de todas as religiões que passaram pela face da Terra, era a única que idolatrava um deus sem vida, humilhado e crucificado.

Em nome desse deus morto muitos crimes foram cometidos. Na Idade Média, chamada Idade das Trevas, a Santa Inquisição, que era uma espécie de Agência Central de Inteligência (CIA) da época, controlada pela Igreja Católica, mandou pra fogueira e pra forca muita gente inocente.

Só mais recentemente a Igreja Católica se voltou para os menos favorecidos com sua Teologia da Libertação. Assistimos então a uma renovação política dentro dessa mesma igreja, em figuras de padres e sacerdotes que se voltaram para as origens do cristianismo, na intenção de dar assistência maior aos pobres.

No Brasil, assistimos hoje a uma renovação das ideias de Lutero. Igrejas cristãs, com o mais variado número de denominações distintas, espocam aqui e acolá trazendo mais uma vez para o nosso convívio ideias conservadoras, baseadas na conversão – e muitas vezes no fanatismo – operando de forma impositora e excludente, aos moldes daquilo que a Igreja Católica fazia nos seus “melhores” dias. No entanto, como o Brasil é grande, generosamente acolhe uma diversidade religiosa ímpar. Temos a mistura de algumas religiões africanas com a religião cristã, temos o espiritismo de Kardeck, temos o espiritismo associado à umbanda, temos a umbanda e o candomblé. Temos a wicca, temos o budismo, temos o zen budismo, etc.

Basta relembrar que vieram pra cá, na época dos escravos, muitos negros de linhagem que procuraram manter sua tradição apesar da perseguição católica. O candomblé da Bahia ainda conserva intacta boa parte do ritual africano. Já modificada é a umbanda que, para sobreviver, soube incluir, entre suas figuras de pretos velhos, caboclos e orixás, os correspondentes santos católicos. Cristo continua sendo o mestre principal tanto dos cristãos quanto das vertentes africanas. Apenas não se fala do imaginário indígena, hoje convertido também, aculturado e desmoralizado. O que é uma pena, já que todas as nossas religiões foram importadas. Enquanto a religião indígena seria a única que poderíamos chamar de nossa.

Neste século, portanto, temos esse glossário de religiões, que formam o panorama no Brasil. Mas no resto do mundo, e em alguns redutos mais intelectualizados do nosso país, o verdadeiro movimento que emerge com a pujança que a nova era do século anterior anunciava, é o movimento espiritualista que independe de religião. Abrange a todos, indistintamente, e se desdobra para campos que extrapolam a espiritualidade. É um novo pensar, sentir e agir em várias questões de ordem política, social, econômica existencial e espiritual. O espiritualista acredita no espírito, no espírito da Terra, do universo e no seu próprio. Entende que o corpo é espírito em uma forma possível de sobreviver à atmosfera do nosso planeta. E que não precisamos morrer para irmos pro céu, já estamos no céu e voamos entre as nuvens e estrelas. Apenas o nosso pé toca sobre a superfície da terra, que nos ampara. Mas voamos, mesmo que sem asas, simplesmente porque estamos sobre algo que voa.

Como vivemos, o que comemos, o que nos ensinam, o que precisamos saber, como ampliamos nossa consciência, o nosso amor, são algumas das buscas que o espiritualista empreende através da meditação, da ciência, da arte e de exercícios de vida que vão estimular aquilo que os ocidentais sempre empurraram pra debaixo do tapete – o autoconhecimento. E são esses mesmos espiritualistas que estão tentando rever a religião, não só do ponto de vista das igrejas, mas também do ponto de vista do buscador. Na verdade, enquanto a maior parte das igrejas buscam por um salvador, os espiritualistas não querem ser salvos por ninguém, apenas por si mesmos.

Religião vem da palavra grega religare, que quer dizer religar consigo mesmo. Se voltar para dentro e se conectar com o ser mais verdadeiro que existe dentro de nós. Essa é, ou deveria ser, a proposta primeira de toda e qualquer religião.

No entanto, a ideia original de religião sempre esteve ameaçada pelas instituições. Vemos que algumas instituições, marcadas pelo fanatismo e pela ignorância, afastam de si qualquer ameaça às suas crenças. A maior parte delas proclama o seu deus como o único e verdadeiro, sendo os outros deuses, de outras religiões, fruto das artimanhas do diabo.

Religião é, de qualquer forma, um estado de espírito. Uma comunhão que fazemos entre o nosso ser e o deus que habita cada partícula do universo, e que, por isso mesmo, está em nós. Veja, esse modo de explicar a religião abrange, na verdade, quase todas as religiões, excluindo apenas aquelas que não têm por base o amor universal e a expansão do ser. A verdadeira religião é individual. Ou seja, cada um trilhará o seu caminho em direção a Deus, do seu modo particular. O que é melhor pra um, nem sempre será bom pra outro.

Para ilustrar a nossa matéria, vamos nos deleitar um pouco com um conto xamânico peruano, escrito por um anônimo. Este conto encontrei há muitos anos no site “Lobo do Cerrado”,mas não tinha o nome do autor. Certamente, é um conto popular, extraído da tradição xamânica do Peru. Se alguém conhecer o autor, gostaria de saber quem é, inclusive para lhe dar o crédito.

Como vocês sabem, os xamãs são indígenas, seres de sabedoria, eleitos pelo seu povo, para conduzir espiritualmente a tribo.

Conta-se que vivia nos Andes uma condor fêmea, que estava chocando onze ovos. Começaram os ovos a se tornar sementes, depois seres, trazendo consigo o aprendizado de muitas gerações. Num certo momento os ovos começaram a ter um contato telepático entre si. E passaram a conversar. Falavam sobre suas fantasias, sobre a “realidade” que acreditavam viver. Mas, com o passar do tempo os ovos notaram um estado de limitação, de opressão que aumentava dia-a-dia entre eles. Sentiam um certo desconforto e parecia que o desconforto aumentava com o passar do tempo.
Algo os limitava, algo os prendia, mas não sabiam o quê.
Não percebiam que estavam se desenvolvendo, e que era natural que a casca desse essa impressão de prisão. Então um entre eles resolveu ser o messias, o que sabia da realidade final das coisas.
– Irmãos, – pregava ele -, tive uma revelação. Descobri a causa de nosso desconforto, de nossa crescente ansiedade.
Todos fizeram silêncio! Aquilo era importante.
– É o vitelo, irmãos (o alimento que o pássaro vai comendo enquanto está no ovo), que aumenta nossa tristeza, nossa sensação de desconforto. Sentimos desconforto porque estamos nos tornando mais materiais, mais pesados, temos que nos espiritualizar, irmãos, pois só assim vamos reencontrar a felicidade e a leveza perdidas.
A “revelação” do pregador parecia ter total sentido.
Aí criaram o movimento fundamentalista :
“Só comemos vitelo suficiente para não morrer” .
A nova moda era espiritualizar-se para recuperar o estado anterior.
Como o crescimento acabou ficando mais lento, pela falta do vitelo, passaram a acreditar que o pregador conhecia a sublime verdade:
– Alimentar-se é pecado!
– Ficar mais denso é pecado
Crendo nisso viveram por um tempo numa languidez, numa indolência, numa desnutrida existência, onde a pasmaceira era tida por paz. Mas um dos ovos, sempre tem esse um, revoltou-se contra aquilo.
– Ora, pensava, se sempre me alimentei por que vou deixar de fazer isso agora, me sinto fraco, frágil… – e voltou a comer .
E comendo se sentiu oprimido, limitado, mas não se angustiou por isso e descobriu que sentir os limites de sua condição não era necessariamente associado à depressão.
Logicamente, foi expulso da comunidade. Sabemos que ovos não conhecem cores, mas se conhecessem teriam dito que ele era um mago negro! Se tivessem listas de debates iam debater se magia negra é aquela que manda comer o vitelo e magia branca é a que, em beneficio da espiritualização, manda deixar de comer.
O fato é que ele continuou a se desenvolver enquanto os outros não.
E lá iam todos pregar pro rebelde, mudar o diferente, o perigoso, o que com seus atos negava o senso comum.
Precisavam convertê-lo, salvar sua alma.
O rebelde foi perdendo a paciência com aquela conversa lamurienta, pois ficavam repetindo a mesma frase alegando ter sido revelada pelo grande “Ovo”.
Não era um diálogo, era um monólogo repetitivo de frases decoradas.
O rebelde, num movimento brusco, com sua parte mais densa (o bico) quebrou a casca do ovo.
E instantaneamente desapareceu.O pregador, aproveitador, como todo bom pregador, já foi pregando:
– Estão vendo o que acontece a quem desobedece os sagrados mandamentos? Vamos rezar ao grande Ovo, irmãos, pela alma desse pecador que se perdeu.
Para eles, o rebelde havia morrido.
Mas para o mundo aqui fora, para a condor mãe, o primeiro dos ovos vingara e ele nascera. Tudo era novo.
A principio, ele sentiu terror, depois êxtase. E quando contemplou aqueles olhos enormes, aquele ser poderoso, teve medo. Seria o diabo a castigá-lo? Seria Deus a puni-lo por ter contrariado o pregador e se alimentado?
Mas era só a sua mãe.E ele conheceu o amor.
O azul do céu, o sol, os picos nevados, a mãe condor que agora lhe dava alimento. Noite, estrelas, lua, estava extasiado.
Então se lembrou!
Seus irmãos e suas irmãs naquele estado limitado dentro dos ovos, crendo no pregador.
Agora ele sabia que era parte do crescimento sentir desconforto, sentir limites.
Fugir disso era fugir de sair do ovo. De vir para este mundo real e lindo.
Contou a sua mãe que queria encontrar um meio de falar com seus irmãos e explicar o que ele descobrira.
Ela riu.
– Mesmo que pudesse meu filho, como falaria de céu? De vento?
Como falaria das montanhas? Quer mesmo ajudar, então te aninha junto aos ovos e transmite teu calor, assim eles chocarão mais rápido.
Então lentamente, um a um, os ovos foram sendo chocados.
Ao final de algum tempo todos nasceram, quer dizer quase todos.
O pregador não nasceu, espiritualizou-se tanto, que gorou…

Eliane Ganem