Arte – Ciência – Espiritualidade Como forma de Autoconhecimento

O olhar do século 21, apesar de estarmos apenas há poucos anos de distância do século anterior, nos permite fazer uma reflexão sobre o nosso conceito atual de arte e como precisamos nos desfazer desse “olhar” comprometido com as ciências sociais do século marxista que acabamos de deixar para trás. Inauguramos talvez uma nova percepção de mundo, uma nova ética, uma nova experiência mística do ser em busca de si mesmo, abandonando não a ciência, mas a resistência que nos impomos diante de ideais europeus, que importamos.A meu ver, a discussão marxista do século XX a respeito de arte não nos serve mais. Hoje sabemos que fazemos arte porque somos seres criativos e que a divisão entre arte burguesa e arte popular não nos ajuda mais. Sabemos que escrevemos porque escrevemos, dançamos porque dançamos, pintamos porque pintamos, vivemos porque vivemos. Não há mais nenhuma divisão naqueles que criam. E isso é sintoma da nossa pós-modernidade e de uma nova consciência.

Na verdade, até o século passado importamos da Europa a nossa arte. No teatro, por exemplo, Brecht mudou toda a concepção teatral, a dramaturgia, a forma de interação público-plateia, criando um teatro novo e revolucionário. O teatro da consciência revelou que a arte tinha um papel de transformação social que extrapolava o conceito de fruição estética da arte burguesa. No Brasil, tivemos textos de Oswald de Andrade – com o seu famoso Rei da Vela – eclodindo num teatro de vanguarda associado a uma luta de classes, contra a elite burguesa e a ditadura militar, que estranhamente, ao invés de proteger a burguesia – como seria de se esperar – na verdade perseguiu os seus filhos, torturando-os e, muitas vezes, eliminando-os ao longo de mais de duas décadas.

Enfim, herdamos literalmente as ideias revolucionárias da juventude europeia – da revolução russa até as duas grandes guerras mundiais – recebendo em nosso território um grande contingente de intelectuais jovens, que fugiram de seus países. Atores, diretores de teatro, que por aqui aportaram, trouxeram não só as ideias revolucionárias marxistas, mas também trouxeram a si mesmos, sua visão de mundo, sua resistência, seus ideais.

A ciência também está modificando seus paradigmas anteriormente intocáveis. Por exemplo, a consciência como um dos fatores presentes no processo de conhecimento está sendo considerada como parte do processo. Ampliando assim a sua importância também no processo do autoconhecimento. Na verdade, a consciência do pesquisador pode interferir no resultado de sua pesquisa dependendo do sistema de crenças pelo qual esse pesquisador foi treinado.

Apesar de Cassirer, uma das mais importantes vozes do pós-modernismo, em seu livro a “Antropologia Filosófica”, dizer que “a ciência é o último passo no desenvolvimento espiritual do homem e pode ser considerada como a mais alta e mais característica conquista da cultura humana.”, acredito que a ciência só pode ser entendida assim se houver por parte de seus seguidores a postura humilde do autoconhecimento.

Enfim, chamo a atenção para o fato de que no século passado importamos o nosso saber, a nossa imaginação, a nossa compreensão, a nossa ciência, a  nossa política, a ética, a moral, os homens sisudos

dos países frios, as roupas, as divindades, as religiões, a literatura, a poesia, a pintura,os clássicos, os filmes, o teatro, a dança, o inconformismo dos povos europeus e chamamos tudo isso de nosso por um bom tempo. E esperamos que esse nosso, como cobra criada, deite o seu olhar superior e reconheça o outro lado, aquele que passamos o mesmo longo tempo escondendo, quem sabe para podermos depois inventar aquilo que chamamos de resistência, criando assim o nosso próprio inimigo, lutando contra moinhos de vento que jamais existiram.

Como diz o meu mestre Osho, mais abaixo, estamos inaugurando talvez uma nova sociedade. Para quem não sabe, o mestre Osho é um ser iluminado, que no século passado trouxe uma contribuição preciosa para o Ocidente. Mesmo correndo o risco de termos mais uma vez importado esse conhecimento distante de nós, o que nos interessa aqui é o autoconhecimento, que pode vir associado à arte, à ciência, à espiritualidade e aos homens comuns porque se trata de uma compreensão interior dentro de cada um de nós. Na verdade, ao abandonar todo esse conhecimento que não é nosso e nos dirigirmos para o nosso auto-conhecimento, certamente poderemos resgatar aquilo que sempre colocamos para debaixo do tapete como se fosse a nossa sujeira, esse jeito nosso muito próprio de fazer arte e ciência.

No livro Philosophia Perennis – Vol. 2, Capítulo 2: Zorba, o Buda, Osho diz: “ …Esta é uma crise muito grande. Se tomarmos o desafio, esta é uma oportunidade para criar o novo….. vocês estão vivendo em uma das mais belas eras – porque o velho está desaparecendo..e um caos é criado. E é só a partir do caos que grandes estrelas nascem. Vocês têm a oportunidade de criar um novo Cosmos. Esta é uma oportunidade que só acontece de vez em quando – muito rara. Vocês têm sorte de estarem vivos nestes momentos críticos. Usem a oportunidade de criar o novo homem. E para criar o novo homem, vocês têm que começar consigo mesmos. O novo homem será um místico, um poeta, um cientista – todos juntos. Ele não vai olhar a vida através de divisões podres. Ele será um místico, porque ele vai sentir a presença de Deus. Ele vai ser um poeta, porque ele vai comemorar a presença de Deus. E ele vai ser um cientista, porque ele irá procurar essa presença através de metodologia científica.

Quando um homem é todos os três juntos, ele é um todo. Esse é o meu conceito de um homem santo. O velho homem era repressivo, agressivo. O velho estava fadado a ser agressivo, porque a repressão sempre traz a agressão. O novo homem será espontâneo, criativo. O velho homem viveu ideologias; o novo homem não viverá através de ideologias, não viverá através de moralidades, mas através da consciência…O novo homem será responsável – responsável por si mesmo e pela existência. O novo homem não será moral, no velho sentido, ele será amoral. O novo homem traz um mundo novo com ele. Agora o novo homem é obrigado a ser uma minoria mutante – mas ele é o portador de uma nova cultura, a semente. Ajude-o! Anuncie sua chegada sobre os telhados: essa é a minha mensagem para você.

O novo homem é aberto e honesto. Ele é transparente, verdadeiro, autêntico e autorrevelado. Ele não será um hipócrita. Ele não vai viver através de metas, ele vai viver aqui e agora. Ele conhecerá apenas um tempo, o agora, e só um espaço, o aqui. E através dessa presença, ele saberá o que é Deus. Alegrem-se! O novo homem está chegando, o velho está indo. O velho já está na cruz e o novo já está no horizonte. Alegrem-se! Eu digo de novo e de novo,
Alegrem-se!

Eliane Ganem